Escaneamento de íris atrai centenas com promessas de pagamento em criptomoedas

Por Redação 18/01/2025, às 23h19 - Atualizado às 19h22

Um ponto discreto na Rua Carlos Sampaio, próximo à Avenida Paulista, em São Paulo, tem atraído filas de pessoas interessadas em uma prática incomum: o escaneamento da íris em troca de criptomoedas. A iniciativa é promovida pela empresa Tools for Humanity, responsável pelo projeto World ID, que busca criar um sistema de identificação digital com base em dados biométricos.

Motivados pelo pagamento, muitos participantes admitem não entender completamente a proposta. O motoboy Bruno Barbosa Souza, de 25 anos, foi ao local após recomendação de um amigo. “Ele disse que pagavam cerca de R$ 400 para escanear a retina. Não sei exatamente para o que serve, mas estou precisando do dinheiro”, relatou.

O processo, segundo Souza, é simples: basta baixar o aplicativo, preencher dados pessoais e agendar o horário. “Depois que você faz, o dinheiro cai no dia seguinte. Meu amigo recebeu algo em torno de R$ 450”, acrescentou.

O atendente Wallace Weslley, 31 anos, também participou pelo mesmo motivo e levou sua esposa para realizar o procedimento. “Faz 15 dias que fiz. Pagaram R$ 200 em 24 horas. Eles dizem que é uma segurança para nossos dados, mas tenho receio sobre o que realmente fazem com essa informação”, ponderou.

O que é o projeto World ID?

O escaneamento faz parte do World ID, uma iniciativa que utiliza padrões únicos da íris para criar um código digital de identificação. Segundo a empresa, o objetivo é diferenciar humanos de robôs, especialmente em um cenário de crescente uso de inteligência artificial (IA). As pessoas que participam recebem uma recompensa em worldcoins, criptomoedas desenvolvidas pela empresa, que podem ser convertidas em reais.

Rodrigo Tozzi, chefe de operações no Brasil da Tools for Humanity, explicou que o projeto “não armazena dados pessoais, garantindo a anonimização”. Ele afirmou que o escaneamento é feito por um dispositivo chamado Orb, que transforma a imagem da íris em um código criptografado. “O objetivo é proteger a privacidade e permitir que humanos e IA coexistam de forma segura no ambiente digital”, disse Tozzi.

Privacidade e riscos

Apesar das garantias da empresa, especialistas alertam sobre os riscos associados ao tratamento de dados biométricos sensíveis. Nathan Paschoalini, pesquisador de governança e regulação, destacou que a íris é um identificador único e extremamente preciso. “Por ser permanente ao longo da vida, seu uso inadequado pode gerar riscos significativos à privacidade e à segurança, especialmente em caso de vazamento de dados”, afirmou.

Karen Borges, do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), acrescentou que a prática pode ser vista como exploração de populações vulneráveis. “O pagamento atrai pessoas em situação de necessidade, levando-as a ignorar os riscos associados à entrega de dados sensíveis”, disse.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) abriu um processo de fiscalização para investigar o tratamento de dados pela Tools for Humanity. A empresa já forneceu informações sobre o projeto, e o caso está em análise.

Impactos e reflexões

Embora a promessa de pagamento em criptomoedas seja atrativa, especialistas sugerem cautela. “As pessoas devem refletir sobre o tipo de dado que estão cedendo e para quais finalidades”, alerta Paschoalini. Pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), informações biométricas são consideradas dados sensíveis, exigindo consentimento qualificado para uso.