Direito ao silêncio e a proteção contra a autoincriminação

Foto de Bernardo Lins Bernardo Lins 23/09/2025, às 15h09 - Atualizado às 15h09

Entre as garantias mais poderosas do processo penal está o direito de permanecer em silêncio e de não produzir prova contra si mesmo. Muito além de um detalhe jurídico, ele é uma das grandes barreiras que protegem o cidadão de abusos e arbitrariedades. Previsto no artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal e em tratados internacionais, esse direito garante que ninguém seja obrigado a se incriminar e reafirma que a liberdade individual é um dos pilares do Estado de Direito.

Na prática, isso significa que qualquer pessoa pode se manter em silêncio em interrogatórios policiais, audiências ou mesmo em comissões parlamentares de inquérito. O silêncio não pode ser interpretado como confissão nem usado como argumento de culpa. É um mecanismo de equilíbrio: o dever de provar a acusação é do Estado, não do cidadão.

Ainda persiste a ideia equivocada de que permanecer em silêncio significa admitir culpa. No entanto, o direito de não responder perguntas existe justamente para proteger também os inocentes. Em situações de tensão, uma única palavra mal interpretada pode gerar suspeitas infundadas ou comprometer a própria defesa. Por isso, é essencial que o cidadão tenha acesso aos autos e orientação jurídica antes de prestar qualquer depoimento.

Na advocacia criminal, vejo diariamente como esse direito é determinante para evitar injustiças. Não são raros os casos em que pessoas inocentes, pressionadas por uma investigação, acabam falando mais do que deviam e se complicando sem necessidade.

Situações do dia a dia ajudam a ilustrar a importância dessa garantia. Em uma blitz, por exemplo, o motorista tem o direito de não produzir provas contra si, inclusive podendo recusar o teste do etilômetro, ciente de que sofrerá a penalidade administrativa prevista em lei. Essa recusa, porém, não pode ser tratada como prova de que ele estava embriagado ou usada como fundamento único para uma condenação criminal. Da mesma forma, um investigado em processo criminal pode optar por permanecer em silêncio diante de perguntas que possam levá-lo a se autoincriminar.

Esse direito também tem dimensão histórica. Foi incorporado à legislação brasileira a partir de experiências internacionais, sobretudo após períodos de regimes autoritários, quando confissões forçadas eram comuns. Hoje, ele funciona como barreira contra práticas abusivas e como instrumento de justiça, assegurando que um processo seja justo e baseado em provas produzidas de forma lícita.

Ao longo de mais de uma década na advocacia criminal, sempre vi que o silêncio pode ser a diferença entre um processo justo e uma condenação injusta. Ele é a proteção que permite ao cidadão respirar, entender o que está acontecendo e se defender de forma adequada. Longe de ser um ato de fraqueza, é uma demonstração de respeito a si mesmo e às garantias que sustentam o Estado de Direito.

Ainda assim, cada situação exige uma análise estratégica. Há casos em que falar pode ser benéfico e outros em que o silêncio é a melhor escolha. O essencial é que essa decisão seja consciente e orientada por quem entende do assunto.