
Por Cíntia Santos e Íssala Queiroz
No Nordeste, o São João não é apenas uma festa. É um jeito de ser, de celebrar, de se reconhecer. É cheiro de fogueira, bandeirola colorida, comida de milho, vestido de chita e forró. Ou pelo menos era para ter o pé de serra, xote e baião. Em conversa com o Portal Taktá, Del Feliz, cantor e compositor baiano conhecido como o “embaixador do forró”, disse que a essência da festa está se perdendo no meio de outros ritmos que são característicos de outras festas, não o São João.
“Você já imaginou um festival de rock sem rock? Ou um de jazz sem jazz? Pois é o que vem acontecendo com o São João. A festa que nasceu com o forró está sendo feita sem ele”, lamenta.
O cantor Del não é contra a diversidade, acredita que outros estilos podem participar da festa, desde que haja equilíbrio e respeito pela tradição. “Tudo cabe. Mas o forró não pode ser deixado de lado. O São João é uma festa que tem alma, tem história. E essa alma tem som de sanfona”.
O artista relembra que o forró se tornou símbolo do São João ainda nos anos 1950, com Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro, Marinês e tantos outros que ajudaram a construir essa identidade musical. Foi nessa época que a formação clássica, sanfona, zabumba e triângulo, se consolidou como o som da festa. E isso não foi por acaso, para Del “esses instrumentos têm uma harmonia que representa perfeitamente o que é o São João: ritmo, alegria, sentimento”.
Nos grandes palcos atualmente, forrozeiros estão sendo substituídos por artistas de outros gêneros e “o anfitrião está sendo expulso da própria festa”, diz Del. E com ele, vai-se também uma parte do sentimento de pertencimento do povo nordestino. “O São João desperta todos os sentidos. É a festa da fé, do toque na dança, do cheiro da comida, da música que embala tudo isso. Tirar o forró é tirar a alma da festa”.
Para Del, a preservação da tradição não é só uma questão de memória afetiva, mas também de valorização e o sustento na mesa para muitos músicos. “É uma cadeia enorme. Do sanfoneiro ao afinador de sanfona, do figurinista das quadrilhas ao vendedor de licor. Tem muita gente que vive disso”.
O cantor, que já levou sua música a dezenas de países e foi padrinho da campanha que reconheceu o forró como Patrimônio Cultural do Brasil, acredita que os governos podem fazer mais. Para Del “não se trata de fechar as portas para ninguém, mas de garantir que boa parte dos investimentos seja destinada aos artistas que representam essa cultura. É uma questão de coerência”.
E ele reconhece avanços feitos, elogia o investimento do governo da Bahia na divulgação do São João nos últimos anos, mas sugere que esse apoio chegue com mais força aos forrozeiros. “A Bahia tem o melhor São João do Brasil, mas poderia reservar parte desses recursos para quem carrega essa tradição nos braços e na voz”.
No fim das contas, o que Del pede é simples: que o forró não perca o seu lugar de direito, já que “não dá pra fazer São João sem forró”. E sem esse ritmo a festa perde sua essência e descaracterizar a festa”.
Com memória afetiva de infância e olhar atento para o futuro, Del Feliz concluí que é preciso “manter essa tradição viva para que outras gerações também tenham o privilégio de dançar um bom forró de São João. Cultura não se impõe por decreto, mas o que foi construído com alma também não pode ser destruído pela força da grana”.